11.10.15

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Grandes descrições passavam-lhe pela cabeça. Pareciam-lhe paisagens. Com o avançar da idade, ia ficando cada vez mais narrativa, apegada aos detalhes que aborrecem como se aborrecem as pessoas no jardim. No cimo de um largo em cidade do Norte, umas escadas chamaram-lhe a atenção. Subia por elas, ladeada por casas com vasos em flor e roupas velhas estendidas. Um idoso espanava um cigarro à varanda, com um olho cristalizado pelo vício do tempo vagaroso. Dentro das casas, ouviam-se os seus passos, degrau a degrau, embora ninguém os escutasse. Uma subjectividade pode atravessar paredes, pensou. Só a subjectividade atravessa paredes, corrigiu-se. Chegada ao cimo das escadas, havia que decidir o que fazer com o que via. Como se a natureza se tivesse lembrado de fugir às mãos dos homens no meio de uma cidade, estava ali intacta e dura, como uma parte de um corpo descuidado, abrigada em si mesma. Apenas que no canto superior da fraga, do terreno escabroso, despontara uma torre acastelada, jazida ali ao abandono, como tudo em volta. Voltou a descer as escadas: não sabia o que fazer com aquilo.

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